Neste artigo da série sobre a Lei 11.101/2005, vamos abordar as divergências jurisprudenciais quanto à aplicabilidade do instituto do cram down, vamos falar de jurisprudência sobre o cram down.
Segundo essa jurisprudência sobre o cram down:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – FALÊNCIA – REJEIÇÃO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CREDOR GARANTIA REAL. 1. Rejeitado o plano de recuperação judicial por uma das classes de credores (com garantia real), a decretação da falência é medida que se impõe, tendo em vista, inclusive, a ausência de requisito cumulativo (inciso III) previsto no §1º do artigo 58 da Lei 11.101/2005, que permite a concessão da recuperação ainda que o plano não tenha sido aprovado. 2. Negou-se provimento ao agravo. (Agravo de instrumento, nº 201100202384444, 2ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, relator: Sérgio Rocha. Data do Julgamento: 20/03/2012; Data da publicação: 30/03/2012).
EMENTA: EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES – PRESENÇA DE TODOS OS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 58, § 1º, DA LEI 11.101/05 – APROVAÇÃO JUDICIAL (“CRAM DOWN“) – INEXISTÊNCIA NO ACÓRDÃO DOS VÍCIOS PREVISTOS NO ART. 535 DO CPC – REEXAME DA QUESTÃO – EMBARGOS REJEITADOS. Não constatada omissão, obscuridade ou contradição no acórdão, mesmo em se tratando de recurso com fins de prequestionamento, impõe-se a rejeição dos embargos declaratórios os quais não podem ser usados com a finalidade de reexame das questões já devidamente fundamentadas. (TJMG – Embargos de Declaração-Cv 1.0290.12.000749-4/017, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/11/2015, publicação da súmula em 16/11/2015).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES – PRESENÇA DE TODOS OS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 58, § 1º, DA LEI 11.101/05 – APROVAÇÃO JUDICIAL (“CRAM DOWN“) – RECURSO DESPROVIDO. I – Na medida em que apenas os “credores trabalhistas” e os “credores quirografários” presentes na AGE poderiam ser considerados para fins do quorum de deliberação, restando inequivocamente aprovado o PRJ pela unanimidade dos “credores trabalhistas” e por mais de 1/3 (um terço) dos “credores quirografários” presentes e que, juntos, representavam mais da metade do valor total dessa espécie de crédito, iniludível o concomitante atendimento dos requisitos de todos os três incisos do § 1º do art. 58 da Lei n.º 11.101/05. II – Os credores incontroversamente excluídos dos efeitos da recuperação judicial, por força do art. 45, § 3º, da Lei n.º 11.101/05, não terão direito a voto e nem serão considerados para fins de verificação de quorum de deliberação porquanto, a toda evidência, inócuo o plano em relação a eles. III – Desde que decisiva a posição do credor abstido para o atendimento de um dos requisitos legalmente exigidos para a judicial aprovação do plano de recuperação judicial rejeitado em AGE, sua abstenção deve ser computada como voto de consentimento à aprovação do plano, pensamento diverso seria incompatível com a vetusta máxima “quem cala, consente”, bem como com o disposto no art. 47 da Lei n.º 11.101/05, com o princípio da razoabilidade e, ainda, com o art. 187 do CCB/2002. IV – Atendidos todos os requisitos do art. 58, §§ 1º e 2º, da Lei n.º 11.101/05, ao magistrado é defeso, sob pena de violar o princípio da preservação da empresa consagrado no art. 47 da Lei n.º 11.101/05, recusar aprovação ao Plano de Recuperação Judicial (PRJ) rejeitado pela Assembleia Geral de Credores (AGC).
V.V. :
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL: REJEIÇÃO DO PLANO PEL A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES – REQUISITOS DO ART. 58, §1º, DA LEI Nº 11.101/05: AUSENTES – ABSTENÇÕES E VOTOS EM BRANCO: NÃO COMPUTADOS COMO APROVAÇÃO – CONVOLAÇÃO EM FALÊNCIA: MANUTENÇÃO. 1. A abstenção de voto, o voto em branco ou o voto nulo na assembleia geral de credores para deliberação acerca de plano de recuperação judicial não pode ser convolado em voto de aprovação por ausência de previsão na lei específica. 2. Rejeitados o plano de recuperação judicial pela assembleia geral de credores e ausentes os requisitos do art. 58, §1º, da Lei nº 11.101/05, que são cumulativos, impõe-se a convolação do procedimento em falência, nos estritos termos do art. 73, IV, da Lei nº 11.101/2005. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0290.12.000749-4/006, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/09/2015, publicação da súmula em 05/10/2015).
Dentre os julgados apresentados, pode-se perceber o posicionamento dos magistrados firmados em que é necessário o preenchimento de todos os requisitos previstos no §1º do Art. 58 da Lei 11.101/2005. Caso os requisitos não sejam preenchidos, a única atuação que entendem possível é a convolação em falência, visto que é o que prevê a lei.
Logo, trata-se da parte que entende que a atuação dos juízes deve estar de acordo com a lei, mesmo que o legislador tenha colocado requisitos extremamente limitadores da atuação do magistrado.
Respeitam a lei, porém, esta situação leva muitas empresas viáveis à falência, por estipular critérios de muito difícil acesso, o que não condiz com o objetivo da lei apresentado no Art. 47 da mesma.
Ainda segundo jurisprudência sobre o cram down do TJSP e do TJRS:
Recuperação judicial – Plano aprovado pela unanimidade dos credores trabalhistas e pela maioria dos credores da classe III do art. 41 e rejeitado por credor único na classe com garantia real – Concessão da recuperação judicial pelo juiz – Agravo de instrumento interposto pelo credor único, com garantia real – Preenchimento indiscutível do requisito do inciso II do § 1″ do art. 58 (aprovação por duas classes) – Preenchimento, também, do requisito do inciso I do § I” do art. 58 (voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes) – Requisito do inciso III do § 1″ do art. 58 que jamais será preenchido, no caso de credor único que rejeite o plano, consagrando o abuso da minoria – Hipótese não cogitada pelo legislador e pelo cram down restritivo da lei brasileira — Juiz que, não obstante, não se exime de decidir, alegando lacuna na lei – Inteligência do disposto no art. 126 do CPC, aplicável supletivamente ao caso (art. 189 da nova LFR) – Inexistência de tratamento diferenciado entre credores da mesma classe — Falta de legitimidade recursal quanto à dispensa de certidões negativas fiscais, além do que, no sentido da r. decisão combatida, existe caudalosa jurisprudência sobre o cram down desta Câmara – Decisão de concessão mantida – Agravo de instrumento não provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 0342925-26.2009.8.26.0000; Relator (a): Romeu Ricupero; Órgão Julgador: N/A; Foro de Americana – 3.VARA CIVEL; Data do Julgamento: 18/08/2009; Data de Registro: 28/08/2009).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Pedido de aditamento ao plano de recuperação homologado. Plano de recuperação homologado, a despeito de possuir ilegalidades. Homologação com base na teoria do Direito Anglo Saxônico denominada cram down. Adequação ao caso. Impossibilidade de cumprimento do requisito do art. 58, §1º, III, da LREF, já que a classe que rejeitou o plano é composta de um único credor. Deságio está de acordo com a realidade econômica atual da empresa em recuperação. Os juros, entretanto, da forma como previstos, ocasionariam prejuízo, contrariando o disposto no art. 406 do CC. O Tribunal entende que a ausência de previsão acerca da correção monetária é ponto que torna o plano vulnerável, de modo que tal verba deve ter previsão expressa. Provimento, em parte, para reformar a r. decisão agravada e determinar a apresentação de nova versão do plano de recuperação em 60 dias (para todas as classes de credores), sob pena de convolação em falência. (TJSP; Agravo de Instrumento 0235995-76.2012.8.26.0000; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Mogi Mirim – 2ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 26/03/2013; Data de Registro: 02/04/2013).
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Plano rejeitado em assembleia. Aprovação pelos trabalhistas, mas rejeição pelos quirografários. Art. 45 LRF. Decisão, contudo, que homologou o plano. Art. 58 §1º LRF. “Cram down“. Relativização dos requisitos. Prevalência do princípio da conservação da empresa. Art. 47 LRF. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 0155523-54.2013.8.26.0000; Relator (a): Teixeira Leite; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Santa Cruz do Rio Pardo – 3ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 06/02/2014; Data de Registro: 13/02/2014).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO APROVADO POR DUAS CLASSES DE CREDORES. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO CRAM DOWN. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70045411832, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em: 29-02-2012).
Inclusive, jurisprudência sobre o cram down do STJ que prevê a mesma situação:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO.APROVAÇÃO JUDICIAL. CRAM DOWN. REQUISITOS DO ART. 58, § 1º, DA LEI 11.101/2005. EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
1. A Lei n° 11.101/2005, com o intuito de evitar o “abuso da minoria” ou de “posições individualistas” sobre o interesse da sociedade na superação do regime de crise empresarial, previu, no § 1º do artigo 58, mecanismo que autoriza ao magistrado a concessão da recuperação judicial, mesmo que contra decisão assemblear.
2. A aprovação do plano pelo juízo não pode estabelecer tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou, devendo manter tratamento uniforme nesta relação horizontal, conforme exigência expressa do § 2° do art. 58. 3. O microssistema recuperacional concebe a imposição da aprovação judicial do plano de recuperação, desde que presentes, de forma cumulativa, os requisitos da norma, sendo que, em relação ao inciso III, por se tratar da classe com garantia real, exige a lei dupla contagem para o atingimento do quórum de 1/3 – por crédito e por cabeça -, na dicção do art. 41 c/c 45 da LREF.
4. No caso, foram preenchidos os requisitos dos incisos I e II do art. 58 e, no tocante ao inciso III, o plano obteve aprovação qualitativa em relação aos credores com garantia real, haja vista que recepcionado por mais da metade dos valores dos créditos pertencentes aos credores presentes, pois “presentes 3 credores dessa classe o plano foi recepcionado por um deles, cujo crédito perfez a quantia de R$ 3.324.312,50, representando 97,46376% do total dos créditos da classe, considerando os credores presentes” (fl. 130). Contudo, não alcançou a maioria quantitativa, já que recebeu a aprovação por cabeça de apenas um credor, apesar de quase ter atingido o quórum qualificado (obteve voto de 1/3 dos presentes, sendo que a lei exige “mais” de 1/3). Ademais, a recuperação judicial foi aprovada em 15/05/2009, estando o processo em pleno andamento. 5. Assim, visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do cram down, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente quando somente um credor domina a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se àquilo que parece ser o interesse da comunhão de credores.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1337989/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 04/06/2018).
Essa jurisprudência sobre o cram down discorre sobre credores únicos de determinada classe e também de classe com mais credores, mas ambas rejeitam o plano de recuperação apresentado pelo devedor e não conseguem preencher o inciso III do §1º do Art. 58 da LRF.
Comparando-se o posicionamento destes magistrados aos posicionamentos dos julgados apresentados previamente, pode-se perceber que por mais que a situação seja parecida (em questão de requisitos que devem ser preenchidos), o posicionamento deles diverge.
Há aqueles que entendem que a atuação do juiz é extremamente limitada e que isto deveria ser modificado para que os juízes tivessem uma atuação mais ativa na concessão da recuperação judicial.
Eles aplicaram em suas decisões os princípios, como forma de ampliar sua atuação, não seguindo, portanto, os requisitos estipulados pelo legislador, mas, antes, os relativizaram. Além dos princípios, alguns magistrados valem-se da questão do abuso de direito do voto ou abuso da minoria.
Realmente, em alguns casos, os credores ou o credor único pode votar de forma mal intencionada, o que pode levar ao abuso de direito do voto, entretanto, isso não ocorre em todos os casos. Esse tipo de voto, inclusive, tem sido desconsiderado.
Infelizmente a lei não prevê a possibilidade de credor único de determinada classe rejeitar o plano, tanto que, caso isso aconteça, não há possibilidade de aprovação de mais de ⅓ de credores nessa classe.
Por isso, os juízes usam o abuso de minoria, para tentar uma solução para casos desse tipo. Entretanto, ressalta-se que não se configura atitude abusiva quando existe somente um credor em determinada classe que rejeita o plano de recuperação judicial.
O credor tem o direito de votar e seu voto é considerado válido, desde que não seja fraudado. Afinal, o credor não tem culpa de ser o único de determinada classe. Geraldo Alves Lima Filho comenta sobre esses posicionamentos que:
A partir da análise de algumas decisões que aplicam o cram down, é possível a extração de alguns critérios amiúde utilizados. Em primeiro lugar, percebe-se que o voto do credor único em determinada classe vem sendo desconsiderado, mormente se levando em consideração a teoria do abuso de direito. Cite-se, nesse sentido, o Enunciado nº 45 do Conselho da Justiça Federal. Não obstante, a teoria do conflito de interesse não parece comportar interpretação tão ampla. Com efeito, não se pode considerar abusivo o comportamento do credor que age no intuito de receber os créditos que lhe são devidos. O fato de ser o credor único de determinada classe não lhe retira a prerrogativa de verificar se as condições propostas no plano atendem a seus interesses. Dessarte, malgrado seja extremamente importante, a teoria do abuso de direito não deve ser ampliada para além de situações que envolvam votação com finalidade distinta do recebimento de créditos, tais como benefício de concorrentes, vingança, entre outros.
Desta forma, percebe-se que não há que se falar em abuso de direito do voto ou abuso de minoria se, de fato, não houver nenhum dos dois.
Portanto, levando em consideração a jurisprudência sobre o cram down, entende-se que parte da jurisprudência acredita que a lei deve ser seguida sem questionamento, sabendo que, quando não atingidos cumulativamente os requisitos, o processamento da recuperação deve ser convolado em penhora.
Entretanto, a outra parte da jurisprudência sobre o cram down, por mais que a lei não conceda uma saída para determinadas situações, não aceita o fato de o juiz somente ter que se submeter à previsão legal e toda limitação que ela impõe.
Principalmente, quando se trata de casos como os apresentados acima. Logo, valem-se dos princípios, do interesse social, do objetivo da lei, para fundamentar o posicionamento de relativizar a aplicação do Cram Down, mesmo quando a lei nada dispor sobre isto ou não permiti-lo.
E ai, o que você acha da jurisprudência sobre o cram down, comente aqui em baixo, deixe nos saber a sua opinião sobre o assunto.