A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, fundamentada no exercício prolongado e ininterrupto da posse com ânimo de dono. Quando aplicada a terrenos provenientes de herança, a temática exige atenção especial, dada a coexistência de direitos possessórios e sucessórios.
A possibilidade de usucapir um imóvel herdado desperta dúvidas, especialmente quanto aos requisitos legais e às situações que autorizam ou impedem tal aquisição. O tema envolve interpretação de normas civis, princípios sucessórios e análise das peculiaridades fáticas do caso concreto.
Requisitos gerais para a usucapião
A usucapião depende da posse contínua, pacífica e com ânimo de dono, além do decurso de prazo legal. O artigo 1.238 do Código Civil dispõe sobre a usucapião ordinária, exigindo justo título e boa-fé, enquanto o artigo 1.239 trata da modalidade extraordinária, que dispensa esses requisitos. Ambos os casos requerem prazos distintos e comportamento possessório inequívoco.
No contexto de herança, o atendimento a esses requisitos torna-se mais complexo, já que é necessário demonstrar que a posse se iniciou de maneira autônoma, sem relação direta com o direito hereditário, o que exige prova robusta e clara.
Herança e copropriedade entre herdeiros
Na sucessão, o patrimônio é transmitido aos herdeiros de forma indivisa até a partilha. Durante esse período, todos os herdeiros são coproprietários do bem, não havendo posse exclusiva. Por essa razão, a mera ocupação de um herdeiro, sem oposição dos demais, não caracteriza posse ad usucapionem.
Somente a partir do momento em que um herdeiro age de forma contrária ao interesse dos demais, com demonstração de exclusividade e intenção de exercer a posse como proprietário único, é que se poderá cogitar a contagem do prazo para usucapião.
Posse exclusiva e oposição entre herdeiros
Para configurar a posse ad usucapionem em face de outros herdeiros, é necessário o rompimento do vínculo de solidariedade possessória. Isso exige ato inequívoco de exclusão da copropriedade, conhecido como “interversão da posse”, que deve ser claro e comunicado aos demais interessados.
A jurisprudência e a doutrina têm entendido que a oposição deve ser expressa e acompanhada de atos materiais que demonstrem a intenção de exercer domínio exclusivo, como cercamento do imóvel, uso exclusivo e recusa expressa de acesso aos demais herdeiros.
Usucapião e ausência de partilha
Enquanto não houver partilha, os bens da herança permanecem em condomínio. Nesse cenário, é inviável a configuração de usucapião entre os herdeiros, salvo prova de que a posse se tornou exclusiva e contrária ao condomínio.
A ausência de partilha não impede o início do prazo de usucapião em face de terceiros estranhos à herança, mas exige cautela em relação aos herdeiros, pois a indivisão do bem obsta a exclusividade da posse, elemento essencial para a aquisição originária da propriedade.
Inércia dos herdeiros e prescrição aquisitiva
O decurso do tempo, por si só, não conduz à usucapião. É necessário que a posse seja exercida com animus domini e que haja inércia dos demais herdeiros em reivindicar o bem. Essa inércia, contudo, deve ser acompanhada de atos concretos de exclusão, sob pena de não se configurar a prescrição aquisitiva.
A simples tolerância não basta para autorizar a usucapião. O Superior Tribunal de Justiça tem exigido prova de resistência ou ciência dos demais herdeiros quanto à exclusão possessória, o que reforça a necessidade de demonstração inequívoca de animus domini.
Usucapião judicial e extrajudicial em herança
A usucapião de terreno oriundo de herança pode ser promovida tanto judicial quanto extrajudicialmente, desde que presentes os requisitos legais. Na via extrajudicial, regida pelo artigo 216-A da Lei de Registros Públicos, é exigida concordância expressa dos confrontantes e demais interessados.
Na via judicial, é possível manejar a ação mesmo diante de oposição dos herdeiros, desde que comprovada a posse exclusiva por prazo suficiente. O procedimento judicial permite dilação probatória e enfrentamento de controvérsias sobre a posse.
Divergência entre inventário e posse de fato
A existência de inventário em trâmite não impede, por si só, a usucapião. No entanto, a pretensão deve demonstrar que a posse não decorreu do direito hereditário, mas de exercício autônomo e contrário à copropriedade. A dissociação entre a titularidade formal e a posse fática é elemento crucial.
Mesmo que o herdeiro figure no inventário, pode-se reconhecer a usucapião se a posse for exercida de forma exclusiva, ostensiva e ininterrupta, com oposição manifesta aos demais herdeiros e sem expectativa de partilha.
Reconhecimento jurídico e registro da usucapião
O reconhecimento da usucapião, seja judicial ou extrajudicial, tem efeitos erga omnes e enseja a abertura de matrícula própria no registro de imóveis. Para tanto, é necessário instruir o procedimento com provas documentais e testemunhais que comprovem a posse conforme os requisitos legais.
Conforme analisado em portais especializados sobre o tema, como o Advogado especialista em Usucapião, o domínio adquirido por usucapião independe de anterior registro, desde que a posse esteja devidamente caracterizada e reconhecida pela autoridade competente.
Perguntas Frequentes
É possível um herdeiro usucapir imóvel antes da partilha?
Somente se demonstrada a posse exclusiva, com atos concretos de oposição aos demais herdeiros. A mera ocupação tolerada não configura usucapião.
A existência de inventário impede a usucapião?
Não impede, desde que se comprove que a posse foi exercida com animus domini e de forma autônoma em relação à sucessão.
Usucapião entre herdeiros pode ser feita extrajudicialmente?
Sim, mas exige anuência dos demais interessados. Na ausência de consenso, será necessário recorrer à via judicial.
Conclusão
A usucapião de terreno oriundo de herança é juridicamente possível, mas condicionada a critérios rigorosos. O núcleo da análise recai sobre a exclusividade da posse e a ruptura do vínculo condominial entre os herdeiros.
A distinção entre posse derivada da herança e posse exercida com ânimo de dono é determinante para o reconhecimento da usucapião. Trata-se de um tema que exige cautela, técnica e interpretação atenta da legislação civil e registral.